planeta
Banho
Banho. A água quente se desloca no ar em queda livre escorrendo pelas lacunas de ausência do meu corpo. Como um velho hábito, estico a minha língua para sentir as gotas que caem como floco de neve derretido, mas que derreteu demais. Aos poucos vou imergindo na água que cai: mãos, rosto, cabelo, corpo. Pego o sabonete e cheiro a espuma e ela, com cheiro de morango recém-colhido, parece uma mistura de nuvem com algodão doce.
– Pena que o olfato engana o paladar – digo enquanto penso nas minhas acidentais experiências de engolir sabão. Passo o xampu nos cabelos como uma massagista profissional, me lavo duas vezes, depilo as pernas, movo meus dedos úmidos pelas curvas da minha orelha. Cheiro novamente a espuma enquanto esfrego a esponja nas palmas da mão para sentir a textura. E a água quente continua caindo sob minha pele de forma que até o filósofo Epicuro diria que estou presenciando uma aguada manifestação de felicidade.
Busco mais o que fazer no banho (ao invés de racionar a água) como uma racionalização para continuar por mais 5 minutos. A consciência é forte demais para eu simplesmente ficar debaixo d’água, parada, sem buscar uma desculpa que justifique. As gotas continuam caindo na minha cabeça e escorrem como os pensamentos que vai e vão da minha mente, sempre buscando uma brecha para que esse banho não seja tão descaso com o planeta.
Listo mentalmente sentindo crescer o calor da responsabilidade (ou seria o calor da água?): sou vegetariana, planto alguns alimentos, faço compostagem, reciclo, saio pouco de carro… Lá fora está tão frio! – O banho começa a incomodar graças a uma fusão de corpo e mente. Meus dedos enrugados e minha cabeça moralista reclamam como se eu tivesse entrando em processo de cozimento. Depois de 40 minutos, enfrento o frio e saio.
Durante o choque de temperatura, minha mente finalmente se sente aliviada igual tomar num banho de cachoeira após horas de trilha na mata. Me surpreendo e então tento me recordar – não do último banho de cachoeira – mas sim de quantos dias eu estava sem tomar banho.