Um momento

Há uns 10 anos, sendo infeliz, eu comecei a me questionar sobre a Felicidade.
Perguntei p’ra várias pessoas se elas eram felizes e recebi diferentes respostas – embora a maioria respondesse que não era. Um certo dia, alguém me disse a seguinte frase: “A vida é uma eterna tristeza repleta de Momentos felizes”. Passei os últimos anos vivendo e sobrevivendo aos Momentos difíceis graças a essa ideia, gravando na memória todos os detalhes das coisas boas que eu vivia.
Hoje em dia, entendo que a “eterna tristeza” só existe quando a pessoa vive p’ra se encher de Momentos felizes. Pode parecer contraditório, mas não é.
Momento é a marcação de um tempo finito, breve. Você está naquele Momento de euforia, oscilando no alto, vivendo toda aquela endorfina e, então acaba. No comparativo, seu referencial é um sentimento melhor do que o qual você tem agora e o espaço livre entre os Momentos é um vazio angustiante. Quem nunca teve aquela sensação esquisita após o esperado natal?
Tenho visto que a busca pela felicidade desta forma tem trazido mais infelicidade do que outra coisa: Quantas pessoas que você conhece estão vendo a vida passar vivendo em função de entretenimento? Não falta séries, games, shows, festas, drogas ou curtidas sem significado no Instagram. Quantas coisas importantes são destruídas em troca de um Momento de futilidade ou hedonismo? Quantos relacionamentos são destruídos em troca de um Momento de egoísmo ou luxúria?
Então você pode me questionar o que tem mais na vida e eu vou usar as palavras de um coach famoso p’ra isso. Ele fala que além dos Momentos, tem a Existência. A Existência é aqueles minutos especiais com um familiar, é aquele detalhe, aquele “te amo” dito em ações, aquele carinho sutil desinteressado que fica gravado na memória e não tem como descrever com palavras, é aquela gratidão que habita dentro de você enquanto você contempla uma árvore crescendo… A Existência é pura e tem valor, já os Momentos não passam de momentos.
Quando vi a palestra que o  filósofo explicava a diferença, só consegui conectar o que ele falava ao Momento atual do mundo com essa pandemia. (Sim! É mais um texto chato que fala da Covid, mas só por um Momento!)
Sem lições de moral ou coisa do tipo, será que nós, a Humanidade, estaríamos tantos meses arriscando a nossa Existência em troca de Momentos felizes no bar com amigos – que sempre racionalizamos como pouco arriscados – se realmente estivéssemos vivendo p’ras coisas certas? Será que o que está pirando muita gente despreparada p’ro isolamento não seria a falta de autoconhecimento e de coragem p’ra enfrentar os problemas escondidos debaixo do tapete?
Temos uma escolha todo dia de como viver nossa vida: quebrar / repensar a estrutura toda, refletirmos o que realmente somos e sentimos sem tantas influências externas, ou então assistir uma série. Claro que é mais fácil se anestesiar de Momentos, mas quem realmente consegue ser feliz assim?
Sobre mim, minha “eterna tristeza” um dia se foi e eu nem percebi quando… Acordo respirando fundo o ar puro que eu tenho sorte de ter, sou grata por trabalhar em casa, fico feliz com cada pulinho e demonstração de amor dos meus bichos, cuido das plantinhas, admiro minha barriga de grávida crescendo, saboreio a água do banho e cada gota que bebo, me quebro e refaço cada dia um pouco, uso minha solidão p’ra ter foco nos projetos, tento estar sempre criando algo e pintar todo dia. Fico vários dias sem ver outro humano e uso isso p’ra me aproximar cada vez mais de mim. A paz mora na minha casa.
Claro que tenho os Momentos que todo mundo vive, também tenho altos e baixos como qualquer pessoa emotiva, mas não tenho mais dúvidas sobre o que é a tal Felicidade. Repleta ou vazia daqueles Momentos, ela resolveu fazer parte da minha vida.
E a pandemia virou apenas um Momento do mundo afora.