Cadeira de rodas e acessibilidade
Nunca imaginei que um dia eu viveria na prática o que é ser cadeirante. Quando estudei na faculdade, eu aplicava o que está nas normas ABNT de forma até inocente e imaginava que estava fazendo um projeto correto… Podia estar correto, mas não estava pensado. A pessoa só compreende como é a vida na cadeira de rodas quando vivencia isso nem que seja por um breve período de tempo.
Falando um pouco de mim: Sofri um acidente de carro onde quebrei só o fêmur, mas devido a gravidade do meu acidente e erros médicos teve que ser retirado 20cm do meu osso, estou com um fixador externo que vai do meu quadril até o joelho e também em tratamento contra osteomielite crônica. Mesmo tendo mobilidade de uma perna já vivo dificuldades e dores que nunca imaginei antes… Vivo impressionada com a persistência humana: como alguém paralítico ou sem as duas pernas faz?
Gostaria de relatar como tem sido essa nova experiência:
– Você se torna dependente de outra pessoa.
Mesmo com uma casa toda acessível, muitas vezes você tem medo e dificuldade pra morar sozinho. Você vai precisar contar pelo menos com uma diarista se não tiver quem arrume as coisas pra você… É possível passar pano nos móveis baixo e até varrer o chão nos ambientes maiores, mas a maioria dos cantinhos não cabe sua cadeira e muito menos um cadeirante com uma vassoura. Tarefas como lavar roupa e pendurá-la é bem mais complicado.
– Você faz as coisas mais devagar.
Quando você anda e esquece de pegar algo na geladeira, por exemplo, rapidamente você volta e pega o que deixou pra trás. Na cadeira de rodas isso significa girar a cadeira, se empurrar com os braços, equilibrar o que você vai carregar no colo e se empurrar de novo.
– Cadeira de rodas significa comprometer as duas mãos.
É preciso das duas mãos empurrando a cadeira pra ir pra frente e não girar pros lados, então quando você está na cozinha fazendo uma massa de pão ou cortando legumes na mesa e precisa pegar uma vasilha longe, você tem que ter uma pia perto pra lavar suas mãos e não sujar os alimentos nem sua cadeira.
– Empurrar cadeira de rodas cansa muito.
Em casa, é bom ter tudo importante bem perto. Em lugares públicos, uma vaga de estacionamento mais perto da portaria e um banheiro na entrada faz toda a diferença.
– Algumas pessoas não irão compreender.
Seja na fila do supermercado, do banco 24hs ou da lanchonete, você exigir seu direito a ser preferencial nem sempre é bem visto por quem está na fila. Já me olharam muito de cara feia e outros fingiram que não me viram pra passar na frente. A verdade é que ficar muito tempo na cadeira de rodas causa dores nas pernas e coluna, sem falar que se você estiver apertado pra ir no banheiro vai demorar muito mais tempo pra chegar até ele. Em casa, é comum quem vive com você mudar as coisas de lugar e colocar em um lugar não acessível pra você sem até perceber.
– Pegar coisas no chão se torna uma tarefa árdua.
Se você usa uma cadeira de rodas que não tem os braços removíveis ou sente muitas dores ao se mexer, muitas vezes você não consegue pegar sozinho aquele papel ou remédio que cai no chão.
– Pegar coisas no alto ou longe te deixa exausto.
Fazer tarefas comuns como cozinhar num fogão normal ou usar um bebedouro sem espaço pra enfiar as pernas fica bem cansativo. Você precisa estacionar sua cadeira e esticar seu corpo para o lado. Enxergar dentro da panela e usar as bocas de trás do fogão também é difícil. De manhã, pra arrumar a cama de casal, você desenvolve seu próprio método. Eu prefiro ir esticando o edredom e ir me movendo aos poucos na cama.
– Armários mal planejados e fundo de gavetas largas se tornam inutilizáveis.
No meu caso que tenho uma perna em perfeitas condições, eu estou sempre pegando coisas ou abrindo gavetas baixas com o pé, mas um paraplégico não utilizaria esse espaço. Armários com porta de abrir atrapalham muito a utilização também, afinal você precisa encaixar sua cadeira de lado entre essas portas abertas pra conseguir alcançar o que está dentro do armário.
– Você vai deixar de ir em alguns lugares.
Quando você anda e é independente, você pode resolver ir até a padaria ou dar uma volta só pra andar. Na cadeira de rodas não é assim. Depois que você começa a usar cadeira de rodas e as pessoas te chamam pra fazer algo, sua primeira pergunta é “- Lá tem degrau?”. Antes de chegar no local você já passa pelos obstáculos do passeio quebrado, rua sem rampa, atravessar a rua no sinal… O segundo problema é ter aquela vontade de ir ao banheiro e não ter banheiro, principalmente quando se é mulher.
(*** É como se você fosse criança de novo: as pessoas ficam te lembrando de ir no banheiro antes de sair de casa! Pra ajudar, minha sogra improvisou um tipo de funil e uma garrafa de plástico que sempre ando com ela na bolsa se tiver uma emergência, mas muitas vezes dá um pouco errado e você começa a entender por que os personagens no The Sims choram. kkk)
– Banheiro público significa encostar em tudo.
No meu caso que ainda uso uma perna é mais fácil: travo minha cadeira do lado do vaso, levanto meu corpo com um pé no chão segurando na barra, me viro e tento ficar meio agachada pra não encostar no vaso, afinal se não tem álcool e papel toalha no banheiro você não vai conseguir limpar bem pra sentar. Já um cadeirante paralítico precisa sentar de qualquer jeito.
O maior problema que encontrei até hoje foi num banheiro “acessível” que instalaram apenas uma barra pequena atrás do vaso. Sentada eu não conseguia alcançá-la esticando o braço, muito menos sustentar meu corpo pra levantar. Os melhores banheiros são aqueles que o vaso está no canto da parede com uma barra grande atrás e na lateral.
Já tive problema também pra usar um banheiro acessível dentro do banheiro comum: a porta da cabine acessível só abria se alguém puxasse lá no alto já que não tinha maçaneta. Tive que pedir ajuda no supermercado.
– Tomar banho significa se mover da cadeira de rodas pra cadeira de banho.
No banheiro tudo fica mais arriscado: um piso molhado, aquela pia de louça que você não pode se apoiar ou aquele tapete de chão que colocaram inocentemente pra secar o banheiro. É preciso lembrar que a cadeira de banho não tem como você se empurrar sozinho como a cadeira de rodas, então pra tomar banho sozinho você precisa se mover entre as duas cadeiras dentro do box.
– Você vai ficar irritado com sua cadeira.
Ficar sentado o tempo todo é bem incomodo, ainda mais no calor que você sente que seu corpo não está sendo ventilado. A textura do assento e a posição das suas pernas e coluna na cadeira de rodas começam a te incomodar e você quer sentar no sofá, poltrona, cadeira, etc.
– Vagas no estacionamento reservadas para cadeirante não são iguais.
É bem comum nos estacionamentos você ver apenas um desenho pintado no chão na vaga para deficientes, mas a vaga acessível é diferente e precisa de espaço na lateral pra cadeira de rodas. Quando vamos estacionar em algum lugar que não tem acessibilidade, nós precisamos parar o carro num lugar que dê espaço de abrir a porta toda e encaixar minha cadeira pra eu sair, então só depois colocar o carro no estacionamento. Se o cadeirante for o motorista, ele vai ter que contar com a sorte.
– Todo degrauzinho é barreira.
Você quer tomar sol no jardim e lá está o degrau inocente que você nunca tinha percebido que existia até agora. Você tem que muitas vezes ficar de costas pra aproveitar a roda maior de trás e se empurrar. Ações como descer da calçada ou visitar um lugar com um degrau sequer significa que alguém vai ter que inclinar sua cadeira pra tirar as rodinhas do chão e te descer do lugar. Dá um frio na barriga.
– Você não vai usar mais as roupas de sempre.
Tem roupa que se torna tão difícil de vestir que você simplesmente desiste dela. No meu caso, com fixador externo, você fica feliz por ter vestidos largos no armário.
– A mesinha lateral da cama pode virar o seu “kit de sobrevivência”.
Se ajeitar na cama e esquecer as coisas pra trás é bem desanimador, então você precisa de uma mesinha ou cabeceira na cama pra colocar seus livros, papel higiênico, garrafinha de água, toalhinha, comadre, etc.
– Você vai perder coisas atrás de você.
Parece estranho, mas acontece.